Misericordiosos como o Pai

Ser misericordioso não é uma atitude que brota em nosso espírito da noite para o dia. Ao contrário disto, tal atitude só aparece em nossa vida com tempo e amadurecimento pessoal. Também não é uma questão a se resolver com estratégias intelectuais, uma vez que se trata, em verdade, de uma postura de quem tem os dois pés no chão da vida. Podemos dizer, ainda, sobre sermos misericordiosos, o mesmo que disse o Papa Emérito Bento XVI na Encíclica Deus Cartias Est a respeito do ser cristão: não é algo que se alcance simplesmente com uma decisão ética ou a partir uma grande ideia. A misericórdia aparece como testemunho do amor de Deus em nossa vida, pois Deus nos ama com amor misericordioso.

Sabemos que esse testemunho do amor de Deus não ocorre revestido de feições extraordinárias e grandiosas, mas acontece nas situações mais corriqueiras da vida; nelas é que encontramos a oportunidade para responder de forma autêntica ao mandamento de Cristo: “sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. Não é difícil perceber que quanto mais cotidianas são as situações da vida, mais desafiador se torna esse mandamento, pois pode passar despercebido o quanto as pessoas que convivem conosco diariamente precisam de nossa misericórdia e o quanto precisamos da misericórdia delas. Por exemplo, o quanto os pais devem usar de misericórdia com seus filhos, que estão descobrindo o mundo e, por isso, estão sujeitos a muitos erros; ou o quanto os filhos devem ser misericordiosos com seus pais, para compreender como pode ser difícil ser pai e mãe pois eles também estão sujeitos a muitos erros. Não é por acaso que uma das mais conhecidas parábolas de Jesus, cujo tema é justamente a misericórdia, trata da história entre um pai e seu filho que pediu a parte da herança que lhe cabia. É nas relações do dia a dia que a misericórdia nos é mais cara e necessária. O cardeal alemão Walter Kasper, cujo livro sobre misericórdia foi citado pelo Papa Francisco em seu primeiro Ângelus na Praça de São Pedro, disse em entrevista que  “a misericórdia é a fidelidade de Deus à sua aliança e à sua inabalável paciência com as pessoas”. Eis algo a se cultivar neste Ano Santo da Misericórdia: uma inabalável paciência com as pessoas. Contudo, não se pode perder de vista as exigências do Evangelho pois, como nos alerta o cardeal, a falsa misericórdia fomenta um cristianismo light, um ser cristão com desconto, uma espécie de amaciante que corrói os dogmas e os mandamentos.

A fim de bem vivermos a misericórdia em nossa vida, o Ano Santo da Misericórdia nos é dado como um momento propício para percebermos que o amor de Deus é um amor misericordioso. Isso fica claro para nós a partir da espiritualidade bíblica, que nos apresenta o Antigo Testamento como a história do relacionamento de Deus com o povo por ele escolhido, na qual Deus teve que reatar a relação e resgatar o povo que se perdia, sendo misericordioso e refazendo sua aliança sempre que necessário. O Novo Testamento é a conclusão definitiva dessa aliança que mostra, na vida de Jesus, o quanto o amor de Deus é misericordioso. Jesus, em vez de condenar aqueles que o perseguiram, do alto da cruz pediu ao Pai que fossem perdoados. Vemos com isso que a misericórdia vai aonde a justiça não alcança. O Papa São João Paulo II, na Carta Encíclica Dives in Misericordia, ensinou que “o amor se transforma em misericórdia quando é preciso ir além da norma exata da justiça: norma precisa mas, por vezes, demasiado rigorosa”.

E você, o quanto tem sido demasiadamente rigoroso com aqueles que ama? A Igreja, na voz do Papa Francisco, faz um forte apelo para, especialmente neste Jubileu Extraordinário da Misericórdia, abrir seu coração a essa tão bela virtude, da mesma forma que a própria Igreja se abre a ela constantemente. O Papa São João XXIII, no discurso de abertura do Concílio Vaticano II, dizia que “agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade”. Portanto, de nossa parte, como corpo da Igreja de Cristo, nos cabe um profundo discernimento sobre o espaço que estamos dando à misericórdia em nossa vida.

Voltando à parábola do Pai Misericordioso, que acima nos referimos, podemos compreender melhor a qualidade misericordiosa do amor de Deus, pois nela Jesus conta sobre a atitude do pai que, diante de tal situação, se preocupou apenas com seu bem mais valioso: o amor a seu filho. Aquele pai amou seu filho com o amor verdadeiro que é o amor vindo de Deus, pois Deus é amor e o amor de Deus é misericordioso. Por isso, não é com a fragilidade que habita nosso coração humano que seremos misericordiosos, mas com a atitude de quem acredita ser possível dar ao irmão o amor de Deus que habita em nós pela fé.

Junio

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