Vocação

Como sabemos, a palavra vocação vem do latim e se traduz por “chamado”. Vocação é um chamado. Contudo, não é qualquer chamado.

Funciona de forma semelhante à palavra “Evangelho”, que vem do grego e significa boa notícia ou boa nova, mas não é qualquer boa notícia e sim aquela anunciada por Deus. Da mesma forma, a palavra vocação, abordada no contexto da espiritualidade cristã, não se trata de qualquer chamado, mas um chamado especial de Deus.

Para compreendermos a força que o chamado de Deus tem, lembremo-nos, por exemplo, da sensação que tem a criança ao ser chamada por sua mãe, ou da pessoa que aguarda uma determinada vaga de emprego para a qual foi entrevistada e, enfim, é chamada ao trabalho ou, ainda, de uma pessoa que está em um local desconhecido e, repentinamente, ouve seu nome ser chamado por alguém que a reconheceu em meio a uma pequena multidão. São chamados que nos despertam, criam uma atitude de alerta, trazem apreensão, alegria, enfim, não nos deixam indiferentes. Muito mais profundo é o chamado de Deus.

Tratando-se a vocação de um chamado especial feito por Deus a cada um de nós, é importante compreender que se trata primeiro de um chamado à liberdade. Deus não nos chama para fazermos coisas, mas para sermos alguém. Por isso a liberdade é a seiva que alimenta qualquer vocação.

Com isso, a primeira relação que podemos fazer é da vocação com a nossa liberdade. Não há vocação verdadeira sem respeito à liberdade. Toda chamado de Deus em nossa vida nos leva a uma vida mais livre.

Podemos dizer que vocação é um chamado para o qual podemos dizer “sim” de maneiras muito variadas. Se houvesse apenas uma resposta, uma maneira única de responder ao chamado de Deus, onde estaria nossa liberdade? Vocação não é predestinação, mas sim abertura de possibilidades.

Sabemos que o chamado vem de Deus quando as possibilidades que ele cria nos permitem dar mais sentido ao que fazemos de nossa vida. Desta forma, assim como relacionamos vocação com liberdade, é importante também considerar sua estreita ligação com o sentido que podemos dar à vida. Vocação é aquilo que vem de Deus e dá sentido à vida. Viver a vocação não é simplesmente cumprir uma missão na terra, como um funcionário que cumpre sua obrigação no trabalho. Dizer sim ao chamado é dar à vida uma textura mais consistente, é fazer de nossos dias um mergulho no mistério que é estarmos vivos, é não contentar-se em ocupar o tempo, mas dedicar-se a viver a vida.

Nossa vida certamente não tem um objetivo único, eis que vivemos várias facetas de uma dispersão de relações e formas de ligação com o mundo: trabalho, família, lazer, estudo, carreira, fé, razão, afeto, intelecto, biológico, presente, passado, futuro, etc. O sentido que damos à vida é o que dá ligação a todos esses aspectos.

A pessoa que tem clareza do sentido que dá para sua vida e pauta seus comportamentos e atitudes a partir dele, sabe qual é seu lugar no mundo: perante a natureza, a organização social, a cultura e, principalmente, perante as outras pessoas e a Deus.

Vocação é aquilo que nos coloca no âmago do sentido da vida. É aquela realização que, mesmo incompleta, é suficiente para fazer a vida valer a pena. Viver a vocação não é fazer uma única opção, mas sim um conjunto de opções simultâneas cuja síntese se traduz numa aproximação cada vez maior do amor de Deus.

Continuando nossa reflexão, além da liberdade e do sentido da vida, um terceiro elemento pode nos ajudar a compreender de forma mais profunda a vocação. Trata-se do desejo. Desejo tem tudo a ver com vocação. Se a vocação é um chamado, ela é parte integrante de uma relação de comunicação de Deus conosco. O desejo é parte dessa comunicação. Vejamos como isso se dá a partir do exemplo do chamado de Moisés.

A espiritualidade bíblica nos apresenta vários modelos de chamado como, por exemplo, Moisés diante da sarça ardente que não se consumia (Ex. 3). Do meio da sarça veio a voz de Deus e, alí, daquela forma, Deus comunicou seu chamado a Moisés. Certamente, o episódio da sarça possui um denso conteúdo simbólico. Contudo, algo existe de comum entre aquela experiência de Moisés e o chamado que cada cristão recebe nos dias de hoje: Deus despertou nele o desejo de ver aquele povo livre das mãos do faraó. Da mesma forma, a Palavra de Deus desperta em nós o desejo de fazer o bem, de ver realizada a justiça, de amar o próximo.

O exemplo do chamado de Moisés nos leva a compreender que a experiência espiritual da qual ele tomou parte naquele momento, configurou-se não somente pela extraordinária visão que lhe ocorreu. A vivência espiritual mais profunda ocorreu justamente quando ele passou a desejar a liberdade do povo, da mesma forma como Deus a desejava.

Não basta uma decisão firmada em bases intelectuais com fortes argumentos racionais para dizermos sim ao chamado de Deus. É preciso deixar despertar em nós o desejo que nos impulsionará pela vida afora a viver a partir do sentido que a Palavra de Deus dá para nossa vida.

Considerando que o desejo despertado em nós pela Palavra de Deus concorre com outros desejos que o mundo desperta, é fundamental compreender que o sim é algo a ser sempre repetido. Não como uma nova resposta à mesma questão, mas como uma atualização da resposta que já foi dada. O tempo do sim é o kairós e nos despertou para o desejo que perdurará ao longo da vida, sem hora para terminar. Livremente, podemos atualizar esse sim preenchendo nossa vida com o sentido que só há na vivência do amor que Deus comunica a cada um de nós.

Deus já despertou em você o desejo de fazer o bem, de amar as pessoas, de por em prática Sua Palavra?

Como tem sido sua resposta?

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